Bem-sucedidos em nosso esforço de afastar o entrevistador das garras do senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu), e este das garras daquele, publicamos a 2ª parte da entrevista que o senhor nulo da Silva gentilmente concedeu-nos.
ENTREVISTADOR: Já tratamos, senhor candidato, nesta entrevista, da sua proposta para eliminar, desta cidade, o desemprego, e da carga tributária falou-nos o senhor…
NULO DA SILVA: Sei do que já tratamos, entrevistadorzinho de araque. Não precisa me dizer o que eu já sei. Você me toma por um pessoa de memória curta, bestalhão?
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, sejamos civilizados…
NULO DA SILVA: Então não me tome como um tolo desmemoriado.
ENTREVISTADOR: Retomemos a entrevista.
NULO DA SILVA: Retomemo-la. E pense nas perguntas que você irá me fazer. Se você fizer uma pergunta que me desagrade… Já viu!
ENTREVISTADOR: O senhor está me ameaçando, senhor candidato?
NULO DA SILVA: Não. ameaçando você, não estou. Estou aconselhando você a tomar cuidado com a própria língua. Não tome muita liberdade, não…
ENTREVISTADOR: O que o senhor está insinuando, senhor candidato? O senhor sabe o que é liberdade de imprensa?
NULO DA SILVA: Sei. Sei. E é por saber o que a liberdade de imprensa é que eu a defendo, desde que os jornalistas não me incomodem com perguntas inconvenientes. E por que você acha que sou dono de jornais, rádios, revistas, e patrocino blogs e revistas? Por que respeito a imprensa, claro.
ENTREVISTADOR: A imprensa que está a seu favor é a única que o senhor respeita? E a que se opõe ao senhor?
NULO DA SILVA: Qual se me opõe? Nenhuma. Toda a imprensa dissemina as mesmas idéias. De vez em quando aparece um jornalista engraçadinho bancando o espertalhão e fazendo-se de corajoso e independente. Mas ele não dura muito tempo na profissão. Cortamos-lhe as fontes de recursos, e as asas, e ele não voa mais. E se quiser voar, você terá de comer na minha mão. Fui sutil?
ENTREVISTADOR: O senhor está cerceando a liberdade de imprensa.
NULO DA SILVA: Não há cerceamento algum, atrevido. Estou apenas, no gozo do meu direito político, de estabelecer as normas de conduta a você, as quais você terá de respeitar durante a entrevista. Seja respeitoso. E não assuma a liberdade para me fazer uma pergunta que possa vir a constranger-me, ou pôr-me em maus lençóis.
ENTREVISTADOR: Lamento não poder atender ao seu pedido, que é uma ameaça, senhor candidato.
NULO DA SILVA: Vá para o diabo que carregue você e a sua avó, imbecil dos infernos. Terei uma conversa séria, muito séria, com o seu editor.
ENTREVISTADOR: O senhor é autoritário, senhor candidato.
NULO DA SILVA: Autoritário é a sua avó, cabeça de ostra.
ENTREVISTADOR: Autoritário! brucutu!
NULO DA SILVA: Farei você engolir a sua língua.
Nota: O senhor Nulo da Silva e o entrevistador arremessaram-se um contra o outro, e moeram-se de socos e pontapés. Desdobramo-nos para afastá-los um do outro, e para conservá-los distantes um do outro decuplicamos os nossos esforços.
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Encerrada a pugna, serenados os ânimos, o entrevistador retomou a entrevista:
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, retomemos a entrevista.
NULO DA SILVA: Retomemo-la.
ENTREVISTADOR: Quais serão as suas políticas administrativas? Sabe-se que o estado, isto é, a estrutura estatal, é dispendiosa, e se faz necessária uma reestruturação nas secretarias com fim à redução de despesas. Qual será a sua política para o melhor e mais eficiente uso dos recursos públicos?
NULO DA SILVA: Darei o básico, que é o essencial. Renomearei todas as secretarias. Dou alguns exemplos: A Secretaria da Educação chamar-se-á Secretaria da Instrução Pública; a Secretaria da Cultura chamar-se-á Secretaria das Manifestações Culturais; a Secretaria da Segurança, Secretaria do Combate à Insegurança; a Secretaria de Obras, Secretaria de Construções e Edificações; a Secretaria de Esportes, Secretaria de Atividades Físicas e Afins; a Secretaria da Saúde, Secretaria do Bem-estar Físico e Mental.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, as mudanças que o senhor, se eleito prefeito, empreenderá são irrelevantes, pois…
NULO DA SILVA: Pois o seu nariz é o de um intrometido sem ser querido. Você está querendo me ensinar a administrar uma cidade?
ENTREVISTADOR: Não, mas é que…
NULO DA SILVA: É que o quê, jornalistazinho de meia-tigela!? Quem terá a obrigação de administrar a cidade, se eleito prefeito, eu ou você?
ENTREVISTADOR: O senhor, senhor candidato…
NULO DA SILVA: Então, assunto encerrado. Se eleito prefeito, eu definirei as prioridades.
ENTREVISTADOR: E é prioridade renomear as secretarias?
NULO DA SILVA: Você tem pinta de encrenqueiro.
ENTREVISTADOR: É prioridade renomear as secretarias?
NULO DA SILVA: Sim. Pesquisas de opinião pública indicam que os cidadãos desta cidade querem a renomeação das secretarias.
ENTREVISTADOR: Quais pesquisas?
NULO DA SILVA: As que eu financiei.
ENTREVISTADOR: Há uma incoerência no que disse, senhor candidato. O senhor disse que irá definir as prioridades, no seu governo, se eleito prefeito, e uma delas é a renomeação das secretarias; em seguida, declarou que os cidadãos querem a renomeação das secretarias…
NULO DA SILVA: Não prossiga, entrevistador. Você vale metade de uma moeda de um centavo. Você é mais burro do que eu pensava.
ENTREVISTADOR: Não se exalte, e não seja incivil.
NULO DA SILVA: Incivil é a sua avó. Você não entendeu o que eu disse. Desenharei o que eu disse, para que você possa me entender: Financiei uma pesquisa, cujo resultado já estava de antemão definido: O povo quer a renomeação das secretarias. Entendeu até aqui? Agora, traga à sua mente oca a minha prioridade, que declarei a pouco: Renomear as secretarias. Coincidência, não? A prioridade, segundo a pesquisa de opinião pública, é a que eu defini. Entendeu o desenho, paspalho?
ENTREVISTADOR: Entendi, senhor candidato. O senhor não é nem um pouco sutil.
NULO DA SILVA: Detesto sutilezas.
ENTREVISTADOR: E quanto às reestruturações das secretarias, para reduzir despesas, eliminar desperdício de dinheiro público? O que o senhor tem a dizer aos munícipes?
NULO DA SILVA: Olhe para a minha testa. Nela está escrito ou tolo, ou imbecil, ou paspalhão, ou idiota? Não. Não está. Não sejamos ingênuos. Você quer que eu ponha a mão no vespeiro, ô da meia tigela de araque!?
ENTREVISTADOR: Não entendi a sua insinuação, senhor candidato.
NULO DA SILVA: Não me surpreende a sua declaração de estupidez e ignorância.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato…
NULO DA SILVA: Não se sinta ofendido, e tampouco injustiçado. Você é só um jornalista. Não há diferenças significativas entre você e os seus colegas de profissão. Não me entendeu? Explico, para que você possa entender-me. Renomear as secretarias é simples. Alterar a estrutura da burocracia do governo municipal, não. Aqui a porca torce o rabo! Imagine: Se eu reestruturar a burocracia, para reduzir despesas, fazê-la eficiente, terei de demitir muitos funcionário, e cortar gastos, muitos gastos; ao fazê-lo, irei contrariar muitos interesses arraigados, e de muitos parasitas, que há décadas sugam o sangue público. Quantas empresas têm contratos com o governo municipal? Você já pensou nisso? Se reduzir as despesas, reduzirei, automaticamente, a compra de mercadorias, e a contratação de serviços, de empresas com as quais a prefeitura tem contrato assinado, e contrariei interesses de muitos empresários. Este é apenas um dado da equação. E os outros dados? Conquistarei inimigos aos punhados. E sofrerei pressão, se eu não criar uma forte base de sustentação para mim, para renunciar, ou retroceder, e rever as minhas decisões, e reconsiderar a minha política. Serei esmagado, trucidado, antes de fizer ‘Diabos’.
ENTREVISTADOR: Então, o senhor, senhor candidato, havendo uma forte base política para a sua manutenção na cadeira de prefeito, irá reestruturar as secretarias, para reduzir os gastos públicos?
NULO DA SILVA: Não. Claro que não. Sei onde piso. Além disso, em defesa dos meus interesses, e em defesa dos daqueles que me apóiam, e dos dos meus aliados, muitos destes de ocasião, outros com os quais tenho vínculos ideológicos, que não se rompem, eu jamais reduzirei as despesas, e tampouco enxugarei o quadro de pessoal. Quero ampliar o meu poder; para ampliá-lo, terei de atrair aliados e apoiadores, e bajuladores, muitos bajuladores, e estes estarão certos de que terão muito a ganhar comigo, se eu ampliar os gastos, e eu terei muito a ganhar com eles ao comprar-lhes a lealdade.
ENTREVISTADOR: O senhor é maquiavélico, senhor candidato.
NULO DA SILVA: O elogio me cai bem, cai-me como uma luva.
ENTREVISTADOR: Não é um elogio, senhor candidato. É um insulto.
NULO DA SILVA: Aos meus ouvidos soa como um elogio. Você está a louvar a minha inteligência de político gabaritado e tarimbado.
Nota: Interrompemos, neste ponto, a entrevista, para um lanche.