Encontraram-se João e José, na Praça Monsenhor Marcondes, hoje, às onze da manhã. Após saudarem-se, desejando um ao outro um bom dia e apertarem-se as mãos, João saiu-se com uma notícia daquelas que não lhe eram incomuns, daquelas com as quais, sabiam seus familiares e parentes, e amigos e colegas de trabalho, envolvia os seus interlocutores num labirinto de perguntas e respostas cuja saída eles jamais encontravam:
– Ontem, Zé, eu vi uma cobra de quatro asas, dois pés e um chifre.
– Deixe de besteiras, João. Não existe tal cobra.
– Não, Zé?! Não existe!? Você já viu uma cobra de quatro asas, dois pés e um chifre?
– Não. É claro que não. Não existe.
– Se nunca viu uma tal cobra, como você sabe que ela não existe?
– Ora… Zé, eu… Não existe tal cobra. E pronto! Deixe de besteiras. Eu nunca vi uma cobra dessas.
– Você, Zé, já viu um vírus?
– Não.
– Mas você acredita que vírus existem.
– E o que tem uma coisa com a outra?! Você confunde alhos com bugalhos, e geringonça com onça.
– Você já viu uma bactéria?
– Não. Nunca vi uma bactéria. Deixe de pilhéria, de lérias.
– Mas você acredita que bactérias existem, não acredita?
– Ora, mas os cientistas… Aonde você quer chegar?
– Quero chegar ao banco. Estou indo pra lá. Tenho de pagar quatro contas.
– Perguntei aonde você quer chegar com tais perguntas, ô, desmiolado.
– Você me disse, Zé, que cobra de quatro asas, dois pés e um chifre não existe porque você jamais a viu.
– Não. Não. Eu disse que não existe porque não existe.
– Mas você nunca viu tal cobra.
– De fato, nunca vi.
– Mas eu vi.
– E você persiste, João?? Deixe de asneira. Vocé viu uma fantasmagórica miragem.
– Ao não ver uma cobra de quatro asas, dois pés e um chifre, você não prova que tal cobra não existe.
– Não existe. Não vi
– Você já viu o seu cérebro?
Não… Mas… Ora… Vá se danar, João. Você é louco, e quer me enlouquecer. Deixe de peneiras… Já nem sei o que digo. Esqueça tal assunto. O Timão ganhou, ontem, o jogo. Três a zero.
– Não ganhou, não. Eu não vi.
Durma-se com um barulho desses!